Penso que a despeito do posicionamento teórico a respeito primeiro da natureza das mudanças históricas ocorridas na sociedade no que diz respeito ao capitalismo e segundo quanto ao papel desempenhado pelas trocas comunicacionais dentro dos processos contemporâneos, o cerne da questão envolvendo inclusão digital no que diz respeito a produção audiovisual é um tanto mais pragmático que a discussão deixa admitir. Para ajudar, penso que é importante dividir a questão da inclusão em diferentes níveis ou aspectos, que se relacionam, mas operam de maneiras diferentes e respondem a diferentes objetivos e, principalmente, ideologias.
a) a possibilidade da criação e manipulação de produtos audiovisuais como expressão de cidadania e liberdade;
b) os processos de inclusão propriamente ditos;
c) a critica ao mainstream;
a possibilidade da criação e manipulação de produtos audiovisuais como expressão de cidadania e liberdade
Quanto ao primeiro aspecto parto de que a coisa mais fundamental para a criação de uma sociedade critica é a potencialização de sua capacidade de expressão. Evidentemente que a produção audiovisual não profissional representa um aspecto menor desse processo. A aparente ubiqüidade ou pelo menos a multiplicação e barateamento de aparelhos e softwares que permitem fazer e refinar processos de vídeo deixam rastros muito óbvios, sejam em sites como youtube ou nos computadores e televisões caseiras na forma de registros de encontros familiares, viagens e outras coisas. A despeito desses conteúdos aparentemente despolitizados, esse tipo de produção antes inacessível para parte significativa da população é hoje mais popular, aumentando a quantidade de produção e – tão importante quanto o dispositivo técnico – o domínio da linguagem do vídeo. Ocorre com o vídeo hoje o que aconteceu com a fotografia na última década a partir da popularização e barateamento das máquinas digitais.
Deste processo - que não tenho o menor receio de achar positivo em qualquer nível que possa olhar – questiono entretanto sua profundidade e alcance junto as camadas pobres da população, cujas necessidades são de ordem mais fundamental e para quem todos esses avanços de linguagem e tecnologia podem passar ao largo.
Para estes não acredito que qualquer solução possa surgir que surja das discussões acerca da comunicação, mas sim de políticas públicas que não tem nada ou pouco a ver com as políticas audiovisuais, como a educação.
os processos de inclusão propriamente ditos
1. Penso que parte expressiva dos projetos de inclusão digital se buscam por um lado “treinar” (e não tenho nada contra o termo, por mais maldito que seja) o fazem da forma errada. Na prática, os jovens que participam desse tipo de programas aprendem a usar alguns softwares específicos dos quais questiono a validade para a obtenção de renda (sim: acho que falamos de treinamento no sentido puro e acredito no pragmatismo disto). Na prática, qual diferença mostrar o uso do Word ou da Wikipédia se o candidato não vai participar de qualquer entrevista em que ele precise deste tipo de conhecimento?
2. No sentido oposto, todo software ou manipulação que o público “a ser incluído” acham interessante fazer e que fogem aos usos “adequados” não são considerados válidos. Na prática os jovens devem aprender a “usar a internet” para que possam ter “acesso a informação” mas, na prática, se ele quer usar o Orkut ou fazer postar conteúdo “não sério” na internet, ele é desencorajado. Os programas costumam decidir que endereços, softwares e conteúdo são válidos e não são. E se os meninos querem usar as Lan-houses para jogar, isto é considerado um absurdo.
Dessa forma não temos programas que se assumem como treinamento – as ideologias do politicamente correto tem pé atrás com a palavra – mas também não temos programas que propiciem a construção de um conhecimento a partir das necessidades e desejos desses meninos.
a critica ao mainstream
Penso que um dos mais corrosivos e nocivos discursos acerca da produção audiovisual hoje se faz em relação a “qualidade nefasta” de seus produtos, que partem de critérios muito bem demarcados por um a priori ideológico: se é para a massa, não presta. De forma muito parecidad como Barbero constrói em Dos Meios As Mediações em relação a aceitação (ou não-aceitação) da possibilidade do povo (e em seguida da massa) fazer cultura.
A critica da produção audiovisual parece ter uma tendência endêmica a considerar alguns dos programas televisivos com mais potencialidade para a ação crítica como sendo de péssimo nível e de mau gosto. Assim as novelas e os programas de humor escrachado tornam-se os vilões do conteúdo televisivo por não estar em sintonia com o que as elites intelectuais consideram “o correto” para se fundar uma sociedade cidadã.
A discussão que invoco nesses três tópicos não são isoladas e não ignoram os movimentos políticos (especialmente os regulatórios) que ajudam a formatar essas discussões. As regulações, sejam na forma de leis ou de práticas estabelecidas, na prática colocam as bases para os movimentos e ações que se hão de moldar e reformatar o cenário da produção audiovisual. Questiono, entretanto, as ideologias que são a base para a construção dessa discussão. A saber: o que consideramos hoje inclusão digital (treinamento, possibilidades de acesso ou possibilidades de expressão); os pressupostos de qualidade (ou a falta de) que são a base de muitos discursos apocalípticos em torno dos conteúdos da internet e da televisão.
marsal
Um comentário:
Oi Marsal, nesta altura os comentários já são posteriores ao encontro em aula. Assim, para não ser repetitivo ou pedante, faço apenas alguns apontamentos:
- O politicamente correto é um enquadramento através da linguagem, correto? Isso pouco ou nada tem a ver com a consistência, do discurso intrínseco, no que diz respeito aos temas que generalizam as formas de controle e decisão na sociedade atual;
- De minha parte, não vejo problema algum na iniciação digital através de jogos ou sites de relacionamento ou qualquer outra relação distinta do transporte dos portais de conteúdo para a plataforma digital. O problema, no que diz respeito aos sites de relacionamento, e segundo pesquisa do Latino Barômetro em todo o Continente, é que o uso da internet varia em 80% para os temas de cotidiano mundano, tal e qual os sites de relacionamento;
- No tema da gestão profissional diante das regras do jogo como estão dadas, tendo a concordar contigo. Um aspecto é elevar o nível de disputa e luta para que mudem as regras do jogo. Outro é decidir jogar neste jogo e não admitir que o mesmo, tem regras e limitações. Isso no que diz respeito em especial aos produtores de audiovisual alternativos ou em circuitos paralelos.
- Por fim, no tema de fazer o possível de forma otimizada com o pouco ou quase nada que se tem, tendo a concordar contigo também. Um exemplo seria uma coordenadoria de Educação no Vale dos Sinos e a exigência de uma mostra de X títulos brasileiros exibidos em escola seguidos de debate. Aumentar a cultura cinematográfica nacional é aumentar o caldo de cultura e formar público no longo prazo. Neste sentido sim, falta planejamento macro, mas também falta definir objetivos alcançáveis e buscá-los com os parcos recursos que existem.
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